VERSÃO ORIGINAL
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"A meus dois filhos, Rui e Alvaro.
A UTILIDADE E A BELEZA DA MATEMÁTICA.
Desde a mais remota antiguidade, todos os povos que conheceram a Civilização, cultivaram as matemáticas - uns levados pelas necessidades de ordem pratica, outros atraídos pelo prazer do espirito. E porque a Matemática tem invenções subtis, que servem tanto para facilitar as industrias como para contentar os curiosos, os homens cedo compreenderam a sua utilidade e a sua beleza.
A Matemática é uma ciência mais perfeita que todas as ciências e tem inúmeras aplicações:
Na astronomia, é por meio de cálculos matemáticos que se prevê o movimento dos corpos celestes; na física, a matemática supre a experiência e abrevia o conhecimento de resultados; nas finanças ensina a calcular os juros, as anuidades, os câmbios e as rendas; na agricultura, facilita os trabalhos geográficos; na engenharia, ajuda a determinar a resistência dos materiais; na navegação, orienta e guia os marinheiros; nas artes militares, resolve as questões do tiro, etc.
Por aqui se pode calcular quanto é útil ao homem o estudo da Matemática. Não é somente a utilidade que dimana todo o seu interesse. Ela encerra uma grande soma de Perfeição, de Harmonia e de Beleza.
Leonardo da Vinci, expoente máximo da pintura italiana, confessa o prazer que lhe proporciona a matemática, dizendo:
"Se a luz solar produz a maior alegria nos corpos, a clareza das verdades matemáticas produz a maior alegria nos espíritos".
É porque na matemática se tem, como em nenhuma outra ciência, mulitas ocasiões de admirar a grandeza de espírito humano; porque é altamente estética e porque encerra em si os fundamentos da Arte.
O grande Leibniz diz: " A Arte é uma alta expressão da aritmética".
Com efeito, todas as manifestações da Arte vivem do número e da forma.
A Pintura tem a sua geometria no desenho e na perspectiva; a Arquitectura e a Escultura subordinam as leis da sua estética à proporção e simetria; Música e a Poesia procuram no número ou medida o melhor dos seus atractivos ... o ritmo.
Não é preciso estudar e dedicar-se às altas matemáticas para se gozar das suas belezas. Nas planuras das matemáticas elementares que se estudam nos liceus, também há imensas oportunidades de conhecer os seus encantos.
Tudo depende da maneira de ensinar e da maneira de aprender.
Os ramos das matemáticas elementares são três: Aritmética, Álgebra e Geometria.
Cada ramo tem os seus interesses característicos .
No método da Aritmetica podem-se observar as curiosas relações dos números, tão curiosas e tão perfeitas que Frederico Gauss - o maior matemático alemão - dizia: "A Matemática é a rainha das ciências, e a Aritmética a rainha das matemáticas".
É na Aritmética, principalmente, que se nota o espírito da ordem e proporção. Nos teoremas, nas demonstrações, nas operações - em tudo se admira a ordem e a proporção, ou numa palavra, o método.
É também através da Aritmética, que os homens teem, pela primeira vez a consciência de que raciocinam, quando sabem o resultado das suas primeiras contas. E nessa ocasião, principiam a sentir o prazer incalculável do calcular.
A Algebra elementar é uma linguagem simbólica, que tem na simplicidade toda a elegância do seu estilo. Cada equação é um trecho de prosa; as incógnitas valem por perguntas e têm como resposta as soluções.
Pôr um problema em equação é escrever em linguagem algébrica as condições duma questão apresentada em vernáculo. Resolver a equação é procurar a solução do problema: - e aqui está o mérito desta língua.
A Álgebra descreve como é possível estabelecer o paralelo - é um estílo ático, que prima pela precisão e pela clareza. Dai todo o seu encanto.
Edgard Quinet, poeta e filósofo, que professou as Matemáticas na Escola Politécnica de Paris, sentia-se tão surpreendido com a beleza da Álgebra que a considerava superior a todas as línguas humanas e a língua de Deus no espírito.
O método algebrico tem sobre o aritmético a vantagem de ser mais simples, mais atraente e mais geral. É essa a razão porque a Álgebra, fazendo caminhar mais depressa, alarga os horizontes do campo dos números e desenvolve no homem o poder de abstracção, por abranger as verdades gerais, não se fixando em particularidades inúteis.
De todos os ramos da matemática elementar, diz um professor, é a Geometria que mais prazeres reserva aos estudiosos.
Na simples verificação duma propriedade ou na demonstração dum teorema a gente miúda experimenta uma enorme satisfação, cada aluno é o pequenino Arquimedes descobrindo, constantemente, novos princípios e deduzindo novas consequências. Um conhecimento adquirido pelo próprio esforço, ou na verdade demostrada pela lógica dum raciocínio infantil dá-lhe o sentimento da personalidade intelectual.
O que não teria sentido Isaac Newton quando verificou serem matematicamente exactos os cálculos que o levaram à descoberta genial da lei da gravidade.
Mas não é só o prazer da descoberta que a geometria oferece aos que estudam. Quem se compenetra do espírito lógico desta ciência aprecia a correlação estreita dos seus teoremas, ligados como [...] formando o edifício grandioso [...]
Meus queridos filhos [...]
quanto ela [...]
[ultima folha rasgada]
NICOLAU XAVIER MENDES, pai de meu pai. Meu avô. 1935.
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